A gota, a mais prevalente das artrites inflamatórias, manifesta-se por meio de episódios súbitos e intensos de dor articular, frequentemente afetando o hálux e ocorrendo predominantemente durante a noite. Embora sua predileção inicial seja pelo dedão do pé, outras articulações, como tornozelos, joelhos e dedos, também podem ser acometidas, especialmente em indivíduos com osteoartrite nas mãos.
Observa-se uma predisposição significativa entre os homens, que são três vezes mais suscetíveis à condição do que as mulheres. Nos homens, a doença tende a surgir após os 40 anos, enquanto, no público feminino, sua incidência aumenta após a menopausa, período em que a perda do efeito protetor do estrogênio se torna evidente. Não raro, os sintomas da gota podem ser confundidos com os da deposição de pirofosfato de cálcio (DPFC), outrora denominada pseudogota. Todavia, diferem-se pela natureza dos cristais que desencadeiam a inflamação: enquanto a DPFC resulta do acúmulo de cristais de fosfato de cálcio, a gota tem como agente etiológico os cristais de ácido úrico.
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Causas
A gota se desenvolve em indivíduos cujos níveis de ácido úrico se elevam em decorrência da degradação das purinas, compostos naturais presentes em todas as células do organismo e em diversos alimentos, notadamente carnes vermelhas, determinados frutos do mar, refrigerantes açucarados e cerveja.
Quando o ácido úrico se acumula – seja por uma excreção renal ineficaz, seja pelo consumo excessivo de alimentos ricos em purinas –, ele pode cristalizar-se em estruturas alongadas e pontiagudas, que se depositam nas articulações e desencadeiam episódios súbitos de dor intensa e inflamação.
Quando não tratada, a gota tende a se agravar, envolvendo múltiplas articulações, prolongando-se por períodos mais extensos e intensificando-se progressivamente. Em estágios avançados, podem surgir os tofos gotosos, acúmulos volumosos de cristais de ácido úrico que se alojam nos tecidos moles ou nos ossos ao redor das articulações, apresentando-se como nódulos endurecidos e deformantes.
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Fatores de risco
A predisposição ao desenvolvimento da gota está diretamente associada à elevação dos níveis de ácido úrico no organismo. Diversos fatores podem contribuir para esse aumento, incluindo:
- Hábitos alimentares – O consumo frequente de carnes vermelhas e frutos do mar, assim como a ingestão de bebidas adoçadas com frutose, favorece o acúmulo de ácido úrico e, consequentemente, eleva o risco de gota. Da mesma forma, o consumo de álcool, especialmente cerveja, está fortemente correlacionado à manifestação da doença.
- Excesso de peso – A obesidade não apenas intensifica a produção de ácido úrico pelo metabolismo, mas também compromete a capacidade dos rins de eliminá-lo adequadamente, tornando o indivíduo mais vulnerável à gota.
- Condições médicas preexistentes – Diversas patologias crônicas aumentam a suscetibilidade à gota, incluindo hipertensão arterial não tratada, diabetes, obesidade, síndrome metabólica, além de doenças cardiovasculares e renais.
- Uso de determinados fármacos – Alguns medicamentos podem elevar os níveis de ácido úrico no organismo, como a aspirina em baixas doses, diuréticos tiazídicos, inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) e betabloqueadores. Além disso, imunossupressores utilizados por pacientes transplantados também podem desencadear episódios de gota.
- Histórico familiar – A presença de casos de gota entre parentes de primeiro grau sugere um fator genético que pode predispor o indivíduo à doença.
- Idade e sexo – A gota manifesta-se com maior frequência em homens, uma vez que as mulheres apresentam níveis mais baixos de ácido úrico. No entanto, após a menopausa, a redução dos níveis de estrogênio faz com que as concentrações de ácido úrico nas mulheres se aproximem das dos homens. Enquanto a doença costuma surgir entre os 30 e 50 anos nos homens, nas mulheres os primeiros sinais tendem a aparecer após a menopausa.
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Diagnóstico
O diagnóstico da gota é realizado por meio da análise do histórico clínico do paciente, do exame físico e de testes laboratoriais e de imagem. Além disso, o médico buscará descartar outras possíveis causas para a dor e a inflamação articular, como infecções, lesões ou outras formas de artrite. Os principais exames utilizados incluem:
- Análise do líquido sinovial – Considerado o método mais preciso para diagnosticar a gota, esse exame consiste na aspiração do líquido da articulação afetada, que é posteriormente analisado ao microscópio para a identificação de cristais de ácido úrico.
- Exame sanguíneo para dosagem do ácido úrico – Embora útil, a medição dos níveis de ácido úrico no sangue apresenta limitações diagnósticas, pois muitas pessoas com hiperuricemia nunca desenvolvem gota, enquanto algumas com gota podem apresentar níveis normais dessa substância.
- Exames de imagem – Métodos como radiografia, ultrassonografia, ressonância magnética e tomografia computadorizada de dupla energia permitem a avaliação das articulações e auxiliam na detecção de cristais de ácido úrico, contribuindo para um diagnóstico mais preciso.
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Tratamento
O tratamento da gota compreende duas fases essenciais: o manejo da crise aguda e a terapia de longo prazo. Inicialmente, o foco recai sobre o alívio da dor, a redução da inflamação e a preservação da função articular. Em um segundo momento, busca-se a redução das concentrações de ácido úrico circulante (AUC), bem como a prevenção de novos episódios da doença.
A fisioterapia desempenha um papel fundamental nesse processo, contribuindo significativamente para a melhora da qualidade de vida e da função física dos indivíduos acometidos. Suas abordagens terapêuticas incluem:
- Controle da dor e da inflamação – Durante as crises agudas, as articulações afetadas apresentam intensa inflamação e dor. A fisioterapia pode incluir recursos terapêuticos específicos para aliviar esses sintomas e favorecer a recuperação.
- Recuperação da mobilidade articular – Após um episódio de gota, é comum que as articulações fiquem rígidas e apresentem restrições de movimento. A fisioterapia auxilia na reabilitação funcional, por meio de exercícios de alongamento e fortalecimento adaptados à área acometida.
- Treinamento proprioceptivo – A propriocepção, ou a capacidade do corpo de reconhecer a posição e o movimento das articulações, é essencial para a estabilidade e o equilíbrio. O aprimoramento dessa função por meio de técnicas fisioterapêuticas pode reduzir o risco de novas lesões articulares.
- Educação e aconselhamento terapêutico – O fisioterapeuta tem um papel educativo importante, fornecendo informações sobre a patologia, estratégias de controle da dor e orientações sobre como evitar fatores desencadeantes da gota. Isso inclui recomendações quanto à prática de atividades físicas seguras e à adoção de hábitos alimentares mais adequados.
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Referências bibliográficas
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